Em 1966, certas revistas de histórias em quadrinhos estampavam um anúncio de página inteira veiculando uma notícia. Um bem cuidado desenho mostrava a reunião de um grande número de personagens criados por Walt Disney, com olhares tristes, bonezinhos na mão, dorsos curvados. Era uma homenagem ao criador do Mickey Mouse, por ocasião do seu falecimento. Dificilmente quem viu esse anúncio, sobretudo se criança, não ficou tocado por aquela cena. Não somente a imagem consternava, mas também a mensagem que dizia: "Adeus, Papai Disney". Muitos dos que viveram nos anos sessenta assimilariam bem esse apelido "papai", quando atribuído a Disney. Afinal, Disney era familiar, era alguém do nosso dia-a-dia, presença comum em nossos lares.
O que nem todos parecem ter descoberto, contudo, é que a juventude dessa década teve também outro pai, tão íntimo da família como o criador de Mickey Mouse. Estamos falando de Irwin Allen.
Com efeito, naqueles tempos tanto os quadrinhos como a TV constituíam os principais veículos de entretenimento da faixa infanto-juvenil, sendo certo que a televisão ainda tinha o mérito de agregar uma boa parcela da assistência adulta, em especial quanto aos inesquecíveis seriados do período. Não é crível que alguém, que tenha tido acesso a um televisor e hoje conte com cerca de 40 anos ou mais, possa afirmar desconhecer Jeannie é Um Gênio, A Feiticeira, Bonanza, Rin-Tin-Tin, National Kid, Jornada nas Estrelas, James West, Combate!, Missão Impossível, Agente 86, etc. E diríamos mesmo ser virtualmente impossível que alguém não possa se lembrar de Viagem ao Fundo do Mar, Túnel do Tempo, Terra de Gigantes e, sobretudo, Perdidos no Espaço, todos frutos da turbulenta força criativa de Allen. Alguém duvidaria que até as mães daquela geração reconhecem o nome de Dr. Smith?!
Irwin foi um destes que fortemente contribuíram para que os anos sessenta fossem lembrados de forma tão incomum. Reconhecido por muitos como um verdadeiro gênio da Sétima Arte, soube como ninguém explorar o entretenimento com mestria, tanto nas salas de cinema (O Destino do Poseidon, Inferno na Torre) como nas salas de estar. A explosiva mistura da mudança de valores, corrida espacial e produções de TV cada vez mais requintadas formavam o fértil campo daquele período, no qual Allen foi um dedicado lavrador. Soube aproveitar a época em que vivia, em particular o onipresente e instigante clima sci-fi, fruto direto da exploração espacial. Manipulando com habilidade tais elementos, Allen levou aos lares algo não muito comum na TV da época: inteligentes estórias de ficção científica, ambientadas em convincentes cenários, deliciosamente temperadas com humor e aventura, criteriosamente confiadas a diretores e atores de talento e ricamente recheadas de efeitos especiais. Foi num período de seis anos (64/70), dentro desses que já foram chamados de "anos incríveis", que Allen presenteou o público televisivo com esses quatro shows seriados, cujo alcance, em termos de ficção científica na TV, só poderia ter paralelo com a criação de Gene Roddenberry, Jornada nas Estrelas. Essas séries perfizeram um total de 274 episódios, com cerca de 50 minutos de inesgotável deleite. Mais do que uma opinião, tais qualidades se comprovam pelos inúmeros fã-clubes, disseminados pelo mundo afora, e a constatação de incontáveis reprises, feitas à exaustão na época e até hoje levadas a efeito, quando o permitem os detentores dos direitos de exibição. A busca por sites dedicados a esses shows revela uma impressionante quantidade de eventos: uma pesquisa feita na data destas notas revelou a existência de 335.000 registros e 4.660 imagens vinculados somente à expressão "Lost in Space".
Descrever os méritos do produtor dessas preciosidades renderia um livro, se fôssemos explorar toda a sua obra e tivéssemos honra para tanto. Por isso ficamos apenas nestas palavras, que ficam também como uma homenagem àquele que foi, não menos que outro, também nosso pai, Papai Allen.
fonte: Paulo Pax
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