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segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A fé do Brasileiro


BRASIL

Um retrato completo da Igreja no maior país católico do mundo


O precisamente auto-proclamado “maior país católico do mundo” - que em épocas de patriotismo exacerbado, como quando obtemos alguma grande conquista esportiva, costuma reivindicar para si a nacionalidade de Deus - nunca esteve exatamente no centro das atenções dos sacerdotes do Vaticano. No entanto, o aparente papel periférico que a Igreja brasileira exerce dentro do mundo católico não reflete a importância que ela tem dentro das fronteiras do país. Pelo contrário - se há instituição que rege a vida da maioria dos brasileiros, mais até do que as entidades políticas, que parecem apenas trabalhar em proveito próprio, é a Igreja Católica. O crescimento - especialmente midiático – de algumas seitas evangélicas, por mais alardeado que tenha sido, ainda não faz frente à massa de católicos do país – mais de três quartos da população, segundo o último censo do IBGE.

A Igreja Católica abriga hoje três vertentes principais no Brasil: o clero tradicionalista, os remanescentes da Teologia da Libertação (que desde os anos 70 formam uma espécie de esquerda eclesiástica) e os adeptos da Renovação Carismática (movimento mais vigoroso e recente). Como o braço mais conservador do clero – que mantém as ligações mais estreitas com as autoridades de Roma - sempre foi a corrente mais forte do catolicismo brasileiro, se há alguma das vertentes que pode ser considerada “o passado” (recente) da Igreja em terras tupiniquins, é o grupo da Teologia da Libertação.

Também denominada de “ala progressista”, a esquerda eclesiástica experimentou dias de prestígio nas décadas de 1960 e 1970, quando adaptava conceitos marxistas à doutrina católica e servia de justificativa para o engajamento político de padres e bispos. Por florescer num tempo de ditadura e repressão, a Teologia da Libertação chegou a influenciar boa parte do clero brasileiro – até o início da década de 1980, desfrutou de certa hegemonia, ao menos do ponto de vista ideológico.

Entretanto, o papa João Paulo II - juntamente do então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Joseph Ratzinger, hoje papa Bento XVI – varreu do mapa brasileiro, aos poucos, os líderes do movimento progressista, dentro do espírito da cruzada anticomunista que levou aos quatro cantos do planeta. A exemplo do que vem fazendo Bento XVI, João Paulo II tratou de combater toda e qualquer associação entre a doutrina católica e alguma ideologia política. Na primeira vez que esteve no Brasil, em 1980, rezou missa para centenas de milhares de fiéis em Brasília, onde declarou que “a missão da Igreja não pode ser reduzida a aspectos sociopolíticos, mas consiste em anunciar o que Deus revelou sobre si mesmo e sobre o destino do homem".

Partindo das palavras para a ação, o Vaticano substituiu bispos e líderes brasileiros e lançou uma série de críticas formais à Teologia da Libertação, até deixá-la como se encontra hoje, um pálido resquício que sobrevive somente na figura de alguns de seus membros ainda ativos. Em sua dissolução, pesou também a redemocratização do país, aliada ao fim do "socialismo real" no Leste Europeu.

A perda de espaço do clero esquerdista não significa que a Igreja brasileira tenha abolido de seu rol de preocupações as injustiças sociais que grassam no país. No entanto, o tom das críticas políticas do clero brasileiro, na maioria das vezes dirigidas aos governos “neoliberais”, é o mesmo dos derradeiros pronunciamentos do papa João Paulo II. Ou seja, piedoso, caritativo, ancorado na miragem de um mundo organizado segundo as virtudes teologais. Os sermões ideologizados contra as desigualdades deram lugar a reflexões de caráter eminentemente místico, que abriram espaço para o movimento da Renovação Carismática, a face emergente do catolicismo brasileiro.

A Renovação Carismática – da qual o padre Marcelo Rossi é a estrela mais saltitante – vem se mostrando a resposta mais eficiente da Igreja para combater o avanço dos evangélicos e de outras religiões no país. Com uma liturgia especialmente coreografada para provocar a catarse pessoal dos fiéis, além de pregações contra o demônio que lembram os rituais exorcistas dos evangélicos, as missas promovidas pela Renovação atraíram de volta para o catolicismo parte do rebanho que se havia desgarrado em busca de uma visão mais mística e menos politizada da religião. O movimento congrega hoje cerca de 10 milhões de pessoas, e a tendência é que esse número aumente.

Nada mal para um país que, apesar de sua essência católica, concentra, especialmente em suas cidades mais ricas, um alto número dos chamados “não praticantes” - característica que marca o catolicismo no mundo como um todo, ainda que não ele seja a única religião detentora de tal qualidade. A maneira com que os padres carismáticos incorporaram o espetáculo às suas missas, com música alta e aeróbica, pode em breve constituir um ponto de atrito com o Vaticano. Quando cardeal, Bento XVI já se manifestou contra a "criatividade de certos sacerdotes" e tachou de profanas algumas músicas tocadas nas igrejas. Em um artigo de 1996, o papa denunciou as inovações litúrgicas que esquecem a tradição para satisfazer os anseios dos fiéis. "Hoje se demonstra cansaço diante de uma liturgia da palavra”, disse então.

Uma eventual discussão envolvendo as autoridades clericais e os padres midiáticos não será, entretanto, suficiente para abalar a fé que anualmente leva milhões de pessoas às Igrejas – e principalmente às ruas – do maior país católico do mundo. As populosas romarias para a Basílica de Aparecida do Norte, em São Paulo, o impressionante Círio de Nazaré, em Belém do Pará, a devoção pela figura do Padre Cícero no Nordeste, ou as inúmeras encenações da Paixão de Cristo que anualmente lotam praças de todo o país na Semana Santa continuarão a reafirmar a presença do catolicismo na vida do brasileiro ainda por muito tempo. Que o diga Frei Galvão, o primeiro santo brasileiro da história, cuja canonização foi anunciada nos estertores de 2006.
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